sábado, janeiro 12, 2019

A ESCULTURA

«Encontraremos em cada segundo a forma eficaz de nos perpetuarmos. Nem que seja na memória, quando a gnose venha a falhar, se é que alguma vez falhará.
Menina perpétua, há um lugar para ti nos meus sentidos. Um lugar inefável e verdadeiro.»
José Pinto


Subiu o monte até ao seu ponto mais alto e contemplou a cidade que lhe corria nas veias. Lá em baixo, o rio de multidões era imparável e formigava por todo o lado. Não o via mas sentia-o. Tanta gente agarrada ao mesmo trajecto!... De súbito, sentiu-se sozinho. Era o seu destino. Acompanhado mas um eterno solitário.
Esqueceu a cidade e mergulhou na profundeza dos seus pensamentos. Surpreendentemente, naquele lago imenso de ideias e sonhos, descobriu um amontoado de palavras.
Eram centenas, espalhadas pelo chão, a esmo.
Quem teria deixado ali aqueles vestígios de emoções?
Que pergunta patética.
Sabia perfeitamente a resposta.
Agarrou num pequeno graveto e, com ele, começou a separá-las. Havia tantas...
Porfiou a barba e foi fazendo montinhos. Num, colocou as palavras amargas. Noutro as palavras de esperança. Noutro ainda, as palavras frágeis e ainda noutro, as palavras poderosas. Reservou as palavras marginais e escondeu as proibidas.
E com aqueles montinhos começou a modelar uma escultura.
Aos poucos, uma mulher foi tomando forma. De onde vinha? Não sabia responder. Tomasse ele consciência da luminosidade que lhe acendera o rosto e descobriria que tinha vindo envolta em néon. Depois de muito porfiar, afastou-se ligeiramente e contemplou a sua obra. Irresistivelmente, retocou-lhe os lábios com a palavra mel e no cabelo a palavra carrapito.
Os olhos distantes precisam ou pouco mais da palavra verde, pensou.
Não! Verde era somente a esperança dele. Talvez um pouco de cinzento molhado. Ficou indeciso com aquele olhar fabuloso. Cinza ou castanho? Menos negro nos cabelos e sobressaia o castanho dos olhos; mais vermelho nos lábios e irrompia o cinzento. Que jogo fascinante este das cores. Verde esperança, castanho doce ou negro mistério? Deixou que futuros momentos imaginados tomassem a decisão. Finalmente, para lhe dar leveza, decidiu vesti-la com as palavras grávidas e matrimoniais. Com a palavra amor moldou-lhe o coração e sentiu-lhe o correr do sangue em veias de sensualidade.
Finalmente, a sua obra estava pronta.
No chão ficaram as palavras que não gostou. As palavras ásperas.
Decidiu então colocar-lhe nas mãos um ramo de palavras de flores mas este pareceu-lhe estereotipado. Não! Flores, não! Antes bandos de andorinhas. Soavam mais musicais, mais livres e mais confidentes.
Tivesse ele aguentado mais um segundo a sua ilusão e ela ter-lhe-ia segredado: «nunca vais saber o bem que me fazes e como me revitalizo contigo». Mas não aguentou. A deusa escultura desmoronou-se e obrigou-o a regressar à realidade.
Regressou à terra. A Deusa era escultura e a escultura era ar.

Partiu e rumou novamente à cidade. Lá estava o rio de gente correndo furioso. Acelerou o passo e, derrotado, deixou-se levar.
I

quinta-feira, janeiro 10, 2019

LEITURAS

«...É aqui, com efeito, que reside uma das grandes e maravilhosas características dos livros (e que nos fará compreender o papel simultaneamente essencial e limitado que a leitura pode desempenhar na nossa vida espiritual) que para o autor poderia chamar-se “Conclusões” e para o leitor “Iniciações”. Sentimos perfeitamente que a nossa sensatez começa onde acaba a do autor, e gostaríamos de que ele nos fornecesse respostas, quando tudo quanto ele pode fazer é dar-nos desejos. E esses desejos, ele só consegue despertá-los em nós fazendo-nos contemplar a beleza suprema à qual o último esforço da arte lhe permitiu ter acesso.»
Marcel Proust, in O Prazer da Leitura



É comum dizer-se que a aventura da escrita é, na sua essência, um acto de solidão porque, mesmo que incorpore uma multidão de personagens, ela nasce sempre de um local profundamente solitário, que é a mente do escritor. Porém, a escrita não pode ficar presa nas introspecções que a geraram sob pena de, não se libertando, se imolar no isolamento. Talvez por isso tenha escolhido citar Marcel Proust porque entendo, à primeira, o alcance das suas palavras quando se dispõe a transmitir-me a ideia de lucidez analítica tão necessária em cada obra, a sua racionalidade emocional, o seu espaço temporal e o seu ponto de partida e de chegada, hiperbolizada na mente solitária do autor e que nunca corresponde à imagética reflexiva do leitor, generosamente disposto a conceder-lhe a desejada libertação.
É um risco que assumo ao citar, neste contexto, o grande pensador francês. Risco porque, não sendo esta prosa uma obra de valor literário puro (trata-se de uma narrativa de vida), não cabem aqui reflexões literárias profundas e porque, sendo eu um cidadão em busca da certificação secundária (embora com fortes ligações à literatura), estou longe da genialidade que me conceda autoridade para opinar sobre a escrita. Finalmente, um risco porque ao pretender, com esta reflexão, drenar o elemento emocional de uma narrativa que foi muito emotiva na sua fase de produção, poderei vir a esvaziá-la do conteúdo pragmático necessário à avaliação a que está submetida, com esta ideia de a vulgarizar.
É quase certo que nenhuma destas linhas se libertará do enredo da minha mente mas, por precaução, aqui deixo o apelo à compreensão de quem ousar a leitura, pelos lapsos que encontrar.
E por fim a insegurança de saber se esta introdução terá sido uma boa ideia. Seguramente que não sei! Obterei a confirmação quando estes escritos forem submetidos a apreciação.
Decidi ainda introduzir alguns diálogos no discurso directo para não tornar o texto ou demasiado cansativo ou demasiado monótono. Também tive a intenção de escrever para uma leitura veloz e fluida, que é como eu gosto de ler. De rompante. Tê-lo-lei conseguido?
Fundamentalmente, o que quero é que quem me vier a ler entenda, na íntegra, qual foi o meu percurso de vida porque é disso que trata, afinal, esta narrativa.



terça-feira, janeiro 01, 2019

VIAGEM AO INTERIOR DE TI

Olho intensamente para dentro dos teus olhos e apetece-me penetrar-te a alma e percorrer todos os seus recantos mais secretos.
Quero desvendar-te o íntimo para saber onde guardas os teus caprichos, as tuas ilusões, os teus sonhos, os teus segredos e as tuas aspirações.
Uma vez lá dentro, quero saber onde colocas o teu amor por mim. Saber da sua força, da forma como me amas, como me pensas, como me desejas, como queres que te retribua.
E eu digo-te, meu Amor, que te amo com a força das estrelas. Que não passa um minuto que não vivas dentro da minha alma. Na alma onde tens reservado o melhor lugar que lá está dentro, e que nele habitas para sempre. Um lugar fiel, impoluto e puro, onde te fundes em mim e unida comigo.

Penetro no teu lado mais secreto e quero saber onde guardas a paixão que acende os rastilhos que fazem explodir todo o amor que sentes por mim.
E eu digo-te, meu Amor, que, avassaladora, essa paixão sublima o meu amor por ti, e transporta-me para o mais profundo desejo de te amar com prazer, de uma forma intensa, quente, erótica e sem limites. O desejo de te possuir de todas as formas e ser dono do teu corpo. De te ter pura, desnuda e integralmente minha e sentir as ondas de prazer absoluto que sei que me sabes dar, um, dois, três, todos os dias.

Penetro no teu cerne e quero saber onde guardas os teus sonhos e a forma como os vives e projectas, unificada comigo e a viveres em mim.
E eu confesso-te, meu Amor, que os teus sonhos são o meus, alicerçados na força que nos une e nos projectos que traçamos para fazer deles a realidade da nossa felicidade. Sonhamos o nosso Zé Alexandre e ele será real, a nossa Maria Tereza e ela viverá para nós, o nosso casamento e ele celebrar-se-á em Paris, no tal hotel rasca, onde só cabemos nós e o nosso amor unificado.

Olho profundamente nos teus olhos e entro na tua alma em busca das  inquietações que te perturbam e que fazem realçar os teus caprichos obstinados.
Perguntas-me:
Onde me guardas?
E eu respondo:
Aqui! - e aponto o coração.
Amas-me?
Como nunca amarei outra mulher.
Hoje é o primeiro dia do resto das nossas vidas. Será que o desejas tanto quanto eu?
E eu respondo:
Ai! Eu desejo-o tanto quanto tu. Afinal estamos modelados um no outro.
Somos um casal e por isso somos um, com os mesmos sonhos, os mesmos anseios e o mesmo entusiasmo.
Tu e eu!

Olho na profundidade dos teus olhos e penetro-te na alma em busca de respostas. Ao invés, em vez das tuas, deixo lá as minhas.
Não tivesse eu a certeza da força imensa e indestrutível com que o nosso amor nos rege, quem teria motivos para ficar desassossegado seria eu.